sábado, 28 de maio de 2011

Poesia digital: dos computadores isolados às tecnologias móveis

Maira Fuzaro e Ricardo Schinaider de Aguiar*
        Obra pioneira no Brasil, Poesia Eletrônica: negociações com processos digitais ganhou recentemente uma versão ampliada. De autoria do pesquisador da Unicamp Jorge Luiz Antonio, a mais recente edição chega com novo título e em versão bilíngue. Em Poesia Digital: teoria, história, antologias (Navegar Editora, Fapesp e Luna Bizonte Pnode), o autor faz uma análise teórica e traça um panorama histórico do tema. O livro traz ainda um DVD que reúne duas antologias: de poemas digitais e textos teóricos representativos. Ao todo, mais de 500 poemas de autores brasileiros e estrangeiros podem ser consultados na obra. Entre eles, muitos que não podem ser encontrados na rede. “Os critérios para a escolha dos poemas estão baseados, em um primeiro plano, nas relações da poesia com as artes, design e tecnologia digital”, explicou Jorge Luiz Antonio, em entrevista concedida ao blog Jornalismo do Livro.

Como se interessou pela poesia digital?
Jorge Luiz Antonio: Em 1996, assisti a uma palestra de E. M. de Melo e Castro e passei a me interessar pela poesia experimental portuguesa, que é um produto interdisciplinar, ou seja, composta de poesia, arte, design e tecnologia. No ano seguinte, fiz um curso de infopoesia e poesia sonora com o Melo e Castro e, de lá para cá, o interesse pela poesia digital se intensificou, pois a facilidade com que ele usa criativamente a tecnologia é fascinante e motivadora. Duas outras pessoas foram igualmente motivadoras: o canadense Jim Andrews, que me recebeu no grupo eletrônico Webartery em 2000 e me apresentou novos horizontes; e, a partir de 2002, a amizade com Chris Funkhouser, que foi significativa para compreender mais a poesia digital.

Poderia falar um pouco sobre o panorama da poesia digital no Brasil e no mundo?

Jorge Luiz Antonio: A poesia digital no Brasil existe desde 1968 e vem crescendo significativamente. Em outros países, ela surgiu antes: em 1959, na Alemanha; 1960, nos EUA; 1961, na Itália. Este é o momento de computadores isolados. A partir do surgimento da rede, em 1989, há um crescimento da poesia digital, especialmente pela facilidade de divulgação no ciberespaço. É o período do computador coletivo, em rede. As tecnologias móveis (celulares, e-readers, iPods, etc.), a partir dos anos 2000, permitiram uma divulgação mais ágil, em tempo real.

Qual o cenário atual da poesia digital no Brasil?

Jorge Luiz Antonio: A recepção da poesia digital vem crescendo significativamente, especialmente a partir do surgimento da rede. Além disso, estudos sobre a cultura digital têm chamado a atenção para o uso criativo das tecnologias digitais. Recentemente, a Funarte instituiu um concurso de bolsas para pesquisas sobre a crítica dos processos criativos nas mídias digitais. Os estudos sobre as linguagens digitais na linguística têm contribuído significativamente para a recepção das manifestações artísticas e poéticas nas infovias.

Como foi recebido o seu primeiro livro?
Jorge Luiz Antonio: A edição de 2008, embora muito pequena, teve boa recepção. Ela foi bastante divulgada e esgotou-se rapidamente. Enquanto os exemplares iam sendo vendidos e doados, fui revisando o conteúdo, reestruturando os capítulos. Troquei o CD-ROM [que acompanhava a primeira edição do livro] pelo DVD, mudei o título. O livro melhorou, pois, graças ao apoio dos coeditores brasileiro e norte-americano, Poesia digital: teoria, história, antologias pôde ser vendido a um preço mais acessível [R$ 45] e, assim, a divulgação está sendo mais efetiva, no Brasil e no exterior.

Como fez a seleção dos autores para a antologia de poesia, publicada no DVD que acompanha a obra impressa?

Jorge Luiz Antonio: Há dois propósitos básicos na antologia: dar conta das exemplificações comentadas no capítulo II do livro (“Poesia, arte, ciência e tecnologia”) e resgatar exemplos de poesia digital que não estão na rede por diversos motivos. Os critérios para a escolha dos poemas estão baseados, em um primeiro plano, nas relações da poesia com as artes, design e tecnologia digital. Além disso, a antologia também fornece um panorama histórico representativo. Também me pareceu válido apresentar uma amostragem internacional em várias línguas.

Seu livro vem acompanhado de um DVD com os poemas digitais. É comum os autores usarem essa forma de publicação? Ou eles têm preferido outros meios, como a internet, o e-book?
Jorge Luiz Antonio: Tornou-se uma necessidade o livro impresso vir acompanhado de um CD-ROM, DVD, ou pen drive, pois o mundo digital faz parte do mundo real e as relações hipermidiáticas são agora necessárias. Esses arquivos digitais individualizados oferecem uma continuação do assunto, pois há casos em que ele precisa ser exemplificado com produtos hipermidiáticos. Houve livros com disquetes e ainda há livros impressos que indicam um sítio eletrônico no qual as atualizações sucessivas estarão disponíveis. Há também os livros digitais disponibilizados na rede como páginas digitais ou como e-books, que são tão importantes como os DVD, CD-ROM, pen drive, etc.

Como é o acesso à poesia digital hoje?

Jorge Luiz Antonio: É maior do que nos primeiros tempos do computador isolado, de 1959 até 1995. Antes tínhamos o próprio computador, de acesso a poucos leitores; depois o disquete, o CD-ROM, o DVD, o pen drive, etc., que permitiram reproduções e puderam ser lidos por um maior número de pessoas. O surgimento da rede ofereceu conteúdos a pessoas das mais diferentes localidades e nos mais diferentes momentos. Já as tecnologias móveis ampliaram as possibilidades de leitura em tempo real, ou seja, praticamente logo depois que o poeta publica suas criações na rede, ela se torna uma leitura disponível, na maioria das vezes, em qualquer lugar.

Na sua opinião, a poesia digital conquistará mais espaço no mercado editorial no futuro?
Jorge Luiz Antonio: Acredito que isso irá ocorrer em breve. Os audiobooks, e-books e similares já são exemplos de que esse mercado editorial começa a crescer. A compra de cópias digitais e das editoras sob encomenda, cujo exemplo significativo é a <www.lulu.com>, pode baratear o preço do livro e promover o gosto pela leitura.


* Alunos de Estudos Literários e Ciências Biológicas da Unicamp

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Virada literária

Daniele Souza e Mayara Freitas*

Música... Provavelmente é essa a primeira palavra que vem à mente do público quando se fala em Virada Cultural. Contudo, em sua sétima edição, realizada no mês passado, a literatura, arte considerada por vezes erudita, subiu ao palco de pés no chão. Os eventos literários da Virada deste ano tiveram como marca a interação com o público. Eles variaram entre saraus, exposições e intervenções teatrais. Diversas unidades do Sesc abrigaram apresentações, assim como bibliotecas municipais, centros culturais e palcos especialmente montados para saraus.

A Galeria Prestes Maia recebeu a Maratona de Narração de Histórias, conduzida por Kiara Terra. Ao contrário do que se poderia imaginar, a narração não se limitou a um simples monólogo. Ela obedeceu à seguinte dinâmica: a contadora começava explicando a sua origem e, em seguida, introduzia a história. Ela não a contava, porém, sozinha. A todo momento perguntava a opinião do público sobre o que iria acontecer, se algo parecido já havia se passado em suas vidas. De acordo com as respostas, ela continuava a narrativa. Assim, ao final, contadora e público haviam criado uma nova história, cujo fio condutor era o conto original.
Segundo explica Kiara, uma das finalidades do seu método é abrir espaço para que as pessoas possam também criar literatura. “O intuito é fazer com que todo mundo caiba na história narrada”, diz. Para ela, a literatura seria assim “algo vivo, que nasce do encontro das pessoas”. As apresentações da madrugada foram a maior surpresa para Kiara. Às 4 da manhã, a Galeria Prestes Maia lotou. “As pessoas passavam pela galeria e acabavam participando. Elas iam sendo roubadas pela história”, lembra a contadora.
No Sesc Ipiranga, a Cia Patética de Teatro também explorou a literatura pela sua oralidade. Com a intervenção Realejo Poético, ela encantou o público por meio de algo simples: um bonequinho sorteava poemas ao som de música ao vivo. Para a atriz Lanna Moura, integrante da companhia, a abordagem feita por intermédio do boneco se torna “singela” e é mais bem recebida pelas pessoas. Ela conta que o projeto, existente há oito anos, “desperta e incentiva a leitura de poesia”, além de ajudar a divulgar novos poetas e resgatar os mais consagrados.
Já a Casa das Rosas celebrou a pluralidade da poesia contemporânea em seu já conhecido Sarau da Casa. Nessa edição, um bate-papo sobre o cenário literário atual teve como convidados os poetas Fábio Weintraub e João Bandeira. A diversidade de estilos, marca do Sarau, se fez também presente na plateia, formada por cerca de 70 pessoas, de diferentes idades e origens. Porém, segundo observou o poeta Gerson Rodrigues, de 56 anos, “a maioria frequenta a casa durante o ano”. Para o poeta, isso mostra que ainda há dificuldade de atrair novos públicos para atividades literárias durante a Virada. Os eventos interativos poderiam, nesse contexto, desempenhar um papel importante na democratização da literatura.

* Alunas de Estudos Literários do IEL / Unicamp

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Educação por educadores

Júlia Ciasca e Rayssa Ávila*

O aluno, o professor, a escola (Editora Papirus), de Rubem Alves e Celso Antunes, surgiu de uma conversa entre os dois autores sobre os principais problemas da educação hoje no país. Seguindo os mesmos moldes em que se organiza a obra, o título também foi lançado com um bate-papo informal, entre os escritores e seus leitores. O encontro, realizado no último dia 25 na livraria Saraiva de Campinas, permitiu ampliar o debate sobre uma matéria que não deve se limitar ao espaço acadêmico. Na plateia, participaram sobretudo professores, lançando questões e compartilhando suas experiências e angústias com os educadores. 
Os dois autores iniciaram a conversa questionando a formação dos professores. Em oposição aos educadores que apenas repetem o conteúdo, eles defendem uma forma criativa de ensinar, de modo a provocar os estudantes. Celso Antunes citou o exemplo de uma escola de São Paulo que trabalhou de maneira próxima ao ideal: “A matéria que se dá é aquela que está na vida que se vive”. No primeiro dia de aula, vários cartazes espalhados pela escola continham perguntas sobre assuntos aparentemente triviais que convergiam com a curiosidade das crianças. Ao longo do ano, as respostas eram desvendadas, não importando os limites entre as disciplinas e o cronograma escolar.

Faltaria também aos educadores de hoje o amor ao que fazem ou o amor à narrativa, como a professora da Faculdade de Educação da UFRGS Rosa Maria Bueno Fischer definiu em Fórum realizado na Unicamp, na semana anterior ao lançamento. Ainda existiriam muitas formas de passar conhecimento ou narrar com intuito de instigar os alunos, valendo-se de criatividade. Para Rosa Maria, cabe ao professor não perder esse amor e, apesar do excesso de informações e velocidade de sua difusão, selecionar o vasto material disponível para sua narrativa.
Celso Antunes e Rubem Alves também defendem a inclusão da poesia e da filosofia na grade curricular. A própria existência de uma grade remeteria à imagem de algo que aprisiona, condição divergente à educação almejada. Essas disciplinas, menos tecnicistas e mais negligenciadas, teriam o intuito de ensinar a lidar com o mundo repleto de perdas, medo e dores. Neste sentido, o professor deve atuar como um artista, mediando o contato com a literatura, por exemplo. Rubem Alves descreve como fazia um dos bons professores que teve: “Ele sabia que se nós [os alunos] lêssemos, odiaríamos a literatura. Nós não sabíamos ler, sabíamos juntar letras. Ele nos ensinava a arte da leitura”.
A conversa seguiu com temas polêmicos como bullying e a seleção do vestibular, por meio do compartilhamento de histórias, o que deixa entrever a linha de estudo e o curso de vida de cada autor. O debate, sobre educação por educadores, segue acontecendo pelo Brasil ao longo do ano.


*Alunas de Estudos Literários do IEL / Unicamp

sexta-feira, 20 de maio de 2011

A educação pública dos próximos dez anos: pesquisadores discutem as diretrizes e polêmicas do novo PNE

Marina Figueiredo Fioravanti*


O projeto do novo Plano Nacional de Educação (PNE), que deverá ser aprovado ainda este ano pelo Congresso Nacional, tem gerado discussões polêmicas, especialmente quando se trata do financiamento da educação no Brasil. Este tema causa controvérsias desde 2001, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso vetou o artigo que destinava 7% do PIB à educação. Abordando esta e outras discussões relacionadas ao novo PNE, o Laboratório de Gestão Educacional (LAGE) da Faculdade de Educação da Unicamp promove seu VIII Simpósio. Com o tema “Plano Nacional de Educação: O Que Há de Novo?”, o encontro será realizado nos dias 27 e 28 deste mês.
De acordo com Pedro Ganzeli, professor da Unicamp e integrante da comissão de organização do evento, o simpósio tem como objetivo discutir o financiamento da educação, a formação do professor e a gestão democrática da educação. “Vamos explorar cada um desses temas que compõem o projeto de PNE para os próximos dez anos”, afirma.
O PNE fornece as orientações básicas, os objetivos e as principais ações para a educação nacional, envolvendo todos os estados e o distrito federal. O novo Plano substituirá aquele aprovado em 2001, uma vez que cada plano fica em vigor por dez anos.
Na opinião de Ganzeli, o veto ao artigo que reservava 7% do PIB à educação representou um esvaziamento do PNE anterior. A expectativa é grande entre os educadores para que essa percentagem seja atingida no novo plano. “Atualmente estamos numa margem entre 4,5% e 5% do PIB destinado à educação. Ou seja, temos as diretrizes, mas não os recursos para realizar as ações. Não se trata apenas de um debate de posições conceituais, nós estamos falando de uma sociedade mais desenvolvida e autônoma quando falamos em educação pública”, diz Ganzeli.
No primeiro dia do simpósio, o professor Romualdo Luiz Portella de Oliveira (USP) fará uma conferência sobre “O Plano Nacional de Educação e relações federativas”. O segundo dia será dividido entre apresentações de trabalhos e minicursos. A programação completa do encontro pode ser consultada no site do evento.


* Aluna de Pedagogia da Unicamp

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Vinte e seis caracteres

Rayssa Ávila*


            Os últimos anos da década de 2000 foram inquestionavelmente marcados pela popularização de mídias sociais como o twitter. O que talvez não se saiba tão correntemente é que escrever de modo sucinto e direto, como em cento e quarenta caracteres, já vem sendo praticado há algum tempo. Exemplo disso é o microconto “Pedofilia”, de Marcelino Freire, publicado na antologia, organizada pelo mesmo autor, Os cem menores contos brasileiros do século (2004). Em 26 toques, temos uma história:
            “Ajoelhe, meu filho.
             E reze”.

            A economia exige ou é resultado de uma objetividade que nos deslinda toda uma possível narrativa – ou várias. O enfoque é dado ao mais impactante daquilo que se conta e só a ele se restringe.
            Em se tratando de pedofilia, o abalo é certo. Ainda mais quando em “meu filho” descobrimos existir entre os personagens uma relação parental, ou pelo menos carinhosa. Neste tratamento, percebe-se que, apesar da violência, a criança deve gostar do adulto. Alguma forma de resistência também deve haver, uma vez ter sido recomendado ao menor que reze. Mas a estranha ternura que emana do proferido sugere mais o aliciamento do “filho”, uma persuasão a que a criança não vê forma de negar, ainda que não goste de fazê-lo.
Uma das imagens mais chocantes que podem ser formadas a partir da leitura é a do pai coagindo o filho, pois nela está envolvido, além da violência sexual, o incesto. Há a possibilidade de o personagem que fala ser a mãe ou outra mulher qualquer, mas “Ajoelhe” cria a imagem do abuso homossexual contra o menino.
O imperativo, calmo, sem pontuação exclamativa, denota a superioridade com que se posiciona o enunciador, além da submissão sem saída do menino. O aspecto fatal das sentenças certamente corrobora para o efeito do conto: uma cena revoltante que não é possível reverter. O leitor se sente um espectador impotente, o que torna a leitura marcante.
Contribuindo para essa sensação, os termos empregados “ajoelhe” e “reze”, associados ao universo da religião, contrastam com o narrado, que só se torna evidente pelo título do conto. Se fosse outro nome, pensaríamos, por exemplo, se tratar de uma avó que ensina o neto a dirigir-se a Deus, em um quadro bem menos indigesto. A inserção desta esfera religiosa também pode sugerir que o ato é cometido por um padre, já que tantas vezes vemos sacerdotes envolvidos neste tipo de crime.
Percebe-se a força do recurso ao microconto. A riqueza do formato está justamente na pluralidade de situações a serem construídas a partir do material fértil fornecido pelo autor. Outro aspecto notável é que o leitor também se lança na atividade criadora, equiparando-se àquele que escreve e tornando mais próxima esta relação, geralmente vivida de forma intangível entre os implicados.
É então que se volta ao mundo digital: o twitter, largamente utilizado para publicação de microcontos, potencializa o envolvimento de quem lê. E também escreve, retwita e publica. Que o diga justamente o autor de “Pedofilia”, criador do microblog com mais de 4.500 seguidores (@MarcelinoFreire no twitter.com).
          
* Aluna de Estudos Literários do IEL / Unicamp