segunda-feira, 6 de junho de 2011

O malandro nacional e o intelectual exótico

Marcelo de Oliveira Vieitez*

Lima Barreto não fez parte da Academia Brasileira de Letras. Sabe-se que seu estilo literário nunca se harmonizou com os padrões da época, da mesma forma que sua vida nunca se harmonizou com o sistema social estabelecido naquele período. Talvez sejam estes os motivos de maior peso para que suas histórias demonstrassem tanta ironia, fossem tão reativas e conseqüentemente tão vivas. Se por um lado a Academia sugeria a dominância de certos estilos literários através de um grupo seleto de escritores, por outro Lima indicava a existência de bons escritores do “lado de fora”, caminhando pela margem e oferecendo um material diverso, não menos excelente. O conto “O homem que sabia javanês” ilustra com ótimo (e também ácido) humor a antipatia que nutria por certas classes sociais. E os intelectuais não ficam de fora.
Castelo é um homem que, apesar do título de bacharel, vive de vigarices. Ele narra ao colega Castro as peripécias que tem feito para sobreviver, entre elas (pois pegamos a conversa no meio) a história que o eleva ao cargo de cônsul, que dá corpo ao conto. A aposta com o leitor é alta. Lima nos desafia à leitura com um duplo absurdo. Como um trapaceiro, sem um tostão no bolso, que mente saber javanês e chega ao status de cônsul de um país, alcança tal façanha? E como ele, o escritor, pode nos convencer disso com tão poucas linhas? É difícil resistir à curiosidade de saber como o personagem consegue, e se o autor cumpre o que promete. Quando Chico Buarque compôs a canção na qual um malandro “quebra” a economia do país por não pagar uma dose de cachaça, temos algo similar, para fazer paralelo com algo mais notório. Mas Lima vai além de uma boa sacada em termos de narrativa e nos causa uma sensação tão surpreendente quanto incômoda. Ao terminar a leitura, pode ocorrer a alguns um pequeno arrepio ao perceber que o absurdo é mais real do que parece, a sensação de que isso acontece o tempo todo em nosso país. Por trás de todo o humor percebemos Lima falando da miséria que assola nossas elites, governantes e intelectuais. Como vamos separar quem sabe de quem finge saber?
      Por que Lima não fez parte da ABL? Antiquado demais? Pouco provável. À frente de seu tempo? Talvez. O fato é que, apesar do conto ter muita relação com sua vida real, não precisamos saber nada a respeito de Lima Barreto para se ter uma ótima experiência com a leitura. É isso que demonstra uma literatura viva. Ela continua sem o autor. Não adianta relegá-lo à margem. Do duplo absurdo oferecido por Lima resulta uma dupla realidade: um personagem indicando quanto charlatanismo pode haver por trás de títulos importantes. E um escritor que não precisou de títulos para se tornar relevante.

*Aluno de Estudos Literários do IEL / Unicamp

sábado, 4 de junho de 2011

Encontros com o fantástico

Thabata Reis de Mesquita*

Com o objetivo de confrontar opiniões e incentivar a discussão sobre literatura fantástica, o simpósio Fantasticon chega a sua quinta edição este ano. Para o seu organizador e idealizador, o editor Silvio Alexandre, o evento não deve ser entendido como uma convenção, mas tem como finalidade justamente a busca pelo debate. Afinal, explica ele, o fantástico “não pode ser encarado como uma manifestação literária estática e amorfa”, e sim como “um gênero em constante transformação, reescrevendo-se de acordo com a época.”
Este ano, o Fantasticon será realizado na Biblioteca Pública Viriato Corrêa, na Vila Mariana, em São Paulo, entre os dias 12 e 14 de agosto. O evento contará com a tradicional mesa-redonda composta por editores e com o encontro do GELF (Grupo de Estudos de Literatura Fantástica). Participação ainda desta edição os escritores André Vianco, Eduardo Spohr, Raphael Draccon e Luiz Eduardo Matta, entre outros.

Como surgiu a ideia do Fantasticon?

Silvio Alexandre: Sempre estive ligado à literatura fantástica. Primeiro, como leitor, e depois trabalhando profissionalmente com o gênero. Desde a minha época da escola, criei ou ajudei a organizar eventos culturais, então, nada mais natural que eu idealizasse um evento do gênero. Em 2007, propus a realização de um seminário de literatura fantástica dentro do Encontro Internacional de RPG, promovido pela editora Devir. Na época, o principal e maior evento de RPG do Brasil. Eles adotaram a ideia e, assim, o Fantasticon passou a ser um evento integrante do Encontro Internacional. Ao optar pela forma de simpósio, procurei reunir amigos e colegas para trocar ideias, buscar saber, além de um criar um lugar para se divertir. Um evento que contasse com a participação de pessoas variadas discutindo determinados assuntos, onde o objetivo principal fosse a realização de um intercâmbio de informações. Além disso, também existe uma explicação afetiva: em 1969, aconteceu no Rio de Janeiro o Simposium de Ficção Científica. Foi um importante evento de ficção científica dentro de um enorme Festival de Cinema. Fazendo um paralelo, imaginei um importante evento de literatura fantástica dentro de um enorme evento de RPG. Assumidamente, busquei inspiração no Simposium de 1969 para fazer o Fantasticon. Por isso, não é correto pensar o evento como uma convenção de fãs ou grafar "FantastiCon", como alguns fazem. Minha definição de convenção é de um acordo, um contrato, de algo que é "convencionado", aceito. E o meu objetivo é o confronto de opiniões, o debate de ideias, a apresentação de pesquisas e, acima de tudo, a busca pelo saber!



Como são selecionados os livros lançados durante o simpósio? São indicações das editoras ou os próprios autores entram em contato?



Silvio Alexandre: A seleção dos lançamentos acontece de duas formas. Na primeira delas, as próprias editoras entram em contato conosco e propõem o lançamento. Elas sabem que o perfil do público do Fantasticon é o mesmo dos seus livros de literatura fantástica. E mais, sabem que o público presente é formador de opinião e capaz de fazer uma excelente divulgação. Assim, trata-se de um espaço apropriado para seus lançamentos. A segunda forma se dá pelo meu contato com as editoras propondo o lançamento. Neste caso, busco aliar a temática ou gênero do livro com alguma mesa-redonda, bate-papo ou atividade que teremos. Procuro sempre fazer com que tudo tenha uma ligação. Como já trabalhei como gerente de marketing, entendo que um evento é a soma de esforço e ações planejadas com o objetivo de alcançar resultados definidos.

Como são escolhidos os temas do evento?

Silvio Alexandre: A proposta do evento é incentivar o estudo e o debate sobre o fantástico no Brasil através de palestras, mesas-redondas, oficinas, exposições, lançamentos, tudo isso com muita confraternização entre o público e os escritores. Dizem que o Fantasticon lança tendências. É nele que aparecem as perguntas e os temas sobre literatura fantástica que percorrerão twitter, blogs, facebook e comunidades do orkut durante o ano. Acho relevante dizer que, na minha visão, as definições e os estudos sobre o fantástico estarão sempre incompletos. Com isso, quero dizer que o fantástico, a despeito de estudos mais tradicionais, não pode ser encarado como uma manifestação literária estática e amorfa. Para mim, ele é um gênero em constante transformação, reescrevendo-se de acordo com cada época. Ou seja, os temas do Fantasticon são sempre relacionados ao moderno entendimento de literatura fantástica: ficção científica, fantasia e horror. Pensando sempre nas relações do texto com seus pressupostos históricos, sociais e culturais.

Como será a programação desta quinta edição?


Silvio Alexandre: Ainda não fechamos todas as atividades deste ano e estamos acertando os palestrantes, mas, como sempre, teremos a tradicional mesa-redonda O Mercado Editorial de Literatura Fantástica no Brasil. É um bate-papo com quem toma as decisões no mercado editorial brasileiro, apresentando as novidades, informações e curiosidades do gênero no país. Também está confirmado o encontro do GELF (Grupo de Estudos de Literatura Fantástica), coordenado pela escritora Rosana Rios, que se dedica a discutir, apreciar e divulgar obras de literatura fantástica. No ano passado, fizemos a Fantastiquinha, uma atividade para as crianças que deu muito certo e que será repetida nesta edição. Além disso, a literatura fantástica de Dostoiévski será apresentada pelo professor Flávio Ricardo. Ele estabelecerá uma relação entre o ensaio "A filosofia da composição", de Edgar Allan Poe, com as narrativas fantásticas de Dostoiévski.


E quais autores participarão do simpósio?

Silvio Alexandre: Os escritores André Vianco, Eduardo Spohr, Raphael Draccon e Luiz Eduardo Matta farão uma mesa sobre literatura de entretenimento. Também teremos uma palestra sobre sexo e ficção científica, com o escritor Gerson Lodi-Ribeiro. Relacionamentos sexuais e afetivos entre humanos e alienígenas, embora não seja novo, constitui um dos filões mais fecundos da ficção científica atual. Uma das oficinas será sobre A Jornada do Herói, com o escritor e editor Gianpaolo Celli. Trata-se do conceito de jornada cíclica, introduzido por Joseph Campbell. Além disso, atualmente temos uma grande produção de literatura fantástica e de gênero que usa a história como matéria-prima em sua construção. Autores como Christopher Kastensmidt, Max Mallmann, Roberto Causo e Ana Cristina Rodrigues irão discutir essa escolha e conversar sobre como a disciplina história se entremeia no fazer literário; a pesquisa que é necessária; a escolha e a procura de fontes; a decisão entre a fidelidade ao factual e a liberdade de criar.

* Aluna de Estudos Literários do IEL / Unicamp

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Um mutirão teatral

Amanda Campos Rix e Vinícius Salomão Branquinho*


        Durante os meses de maio e junho, os atores do Barracão Teatro, juntamente com outros artistas barão geraldenses, realizam a Ação em Prol do Barracão. A campanha visa à arrecadação de fundos para uma ampla reforma na sede da companhia. Cobrando tradicionalmente os ingressos no chapéu, o grupo possibilita a cada espectador valorar a experiência vivenciada durante as apresentações. A mensagem, que convida à reflexão acerca da importância da arte, chega agora com um adendo: além de atribuir um preço ao espetáculo, o público contribui para as melhorias necessárias ao seu conforto. Afinal, é ele o grande beneficiado.
      A Ação conta com a participação de artistas da cidade de Campinas que atuam em suas próprias sedes, mas enxergam no Barracão um espaço de integração entre diferentes grupos e de grande aproximação com o público. Solidários à necessidade de reformas, esses artistas propuseram-se a apresentar seus trabalhos na sede da companhia e remeter seus cachês à causa. O próximo espetáculo em prol do Barracão será “Alucinações”, encenado pelo ator Darko Magalhães nos dias 4 e 5 de junho.
    Outro grupo que já participou da campanha foi o Los Circo Los, com o seu infantil “Circulando”. Na abertura desse espetáculo, no último dia 14, a diretora e dramaturga Tiche Vianna, uma das fundadoras do Barracão, explicou a proposta da campanha, atribuindo a esta uma dimensão comunitária. “A Ação é uma forma de fazer com que a comunidade contribua com o espaço do qual desfruta”, resumiu. O grupo se propôs a prestar contas ao seu público, expondo no seu site (www.barracaoteatro.com.br) os ganhos de cada espetáculo, seus respectivos custos e o lucro obtido para as reformas. Comprometeram-se ainda a explicitar com detalhes todos os gastos.
      Formado em 1998 por Ésio Magalhães e Tiche Vianna, o Barracão é nacionalmente reconhecido pelo seu trabalho. Seus integrantes já foram contemplados com prêmios de relevo, como o de Estímulo ao Teatro Funarte/Petrobrás e o de Fomento ao Teatro Myriam Muniz Funarte/Petrobrás. Ésio Magalhães foi ainda, por duas vezes consecutivas (2007 e 2008), indicado ao Shell de melhor ator, com os espetáculos “A Julieta e o Romeu” e “Encruzilhados entre a Barbárie e o Sonho”. Responsável por todas as etapas do processo de criação de seus espetáculos, a companhia possui atualmente seis peças de sua autoria. Trabalha também na criação dramatúrgica e na direção de espetáculos de grupos associados.

* Alunos de Estudos Literários do IEL / Unicamp