segunda-feira, 11 de julho de 2011

Cultura na cidade

* Amanda Guimarães, Rafael Rodrigues e Monalisa Gomyde


O escritor Alberico Rodrigues/Foto de Ana Laura Ferraz   
Predestinado. É assim que esse professor e escritor sempre foi conhecido em sua família. Nascido no município de Nova Canaã, em meio à Zona da Mata baiana, morou em vários locais do mundo até que resolveu fixar-se em São Paulo. Alberico Rodrigues nos contou que mesmo inserido no imaginário infantil, era diferente das outras crianças. Enquanto seus irmãos corriam atrás de uma bola, ele fazia da areia da praia seu caderno e, lá rabiscava versos imaginários. Enquanto os outros sonhavam em jogar nos grandes estádios, Alberico sonhava em promover a cultura. Hoje, com 64 anos e uma carreira de sucesso como professor e escritor, Alberico é uma das poucas pessoas no país que se podem dar ao luxo de dizer que vive da cultura. O Espaço Cultural Alberico Rodrigues é livraria/sebo, café/salão de arte, casa de shows/teatro. O local não se atém a um único tipo de arte, mas tenta colaborar com todas, apesar de ser assumidamente mais voltado à literatura, de acordo com seu dono. Essa preferência é nítida no Muro Literário, uma parede inteira em homenagem aos grandes nomes da literatura, desde os tempos de Homero até os dias atuais, onde os visitantes podem ver, impressos diretamente nos azulejos que a revestem, fotos e informações sobre escritores.
Alberico nos recebeu de braços abertos para uma conversa sobre o Espaço Cultural.

O Muro literário é uma das grandes atrações do espaço. De onde veio a ideia de construí-lo?



Alberico Rodrigues: O desejo de fazer esse mural que eu chamo “Muro Literário do Alberico” surgiu na universidade. Eu já cursei seis universidades e o que mais me empolgou nelas foi a literatura. Como estudante isso foi nascendo em mim: o desejo de não só ler as obras, mas saber sobre a vida dos autores, a origem deles. Eu fui para a Inglaterra e voltei para o Brasil em 1994. Nessa época já era professor de literatura. Então disse: eu vou construir o meu espaço agora. E aquela homenagem que eu quero fazer aos escritores? Muros sempre dividiram países: o Muro de Berlim, por exemplo. Aí comecei a pensar, por que não pegar um muro e transformar em arte? Montei esse muro devagar, durante oito anos. A base é cronológica: de Homero até hoje, pegando o que eu gostaria de mostrar. Porque o critério é meu. Eu fiz uma homenagem à literatura, ou seja, aos autores considerados de literatura.


E quanto às exposições e apresentações teatrais? Como funcionam?


Alberico Rodrigues: Aqui é um centro cultural. Nosso forte é a livraria, o sebo, os eventos. Há vários eventos culturais: teatro, shows musicais, exposições de artes plásticas. Tem uma peça em cartaz que veio pra ficar dois meses e já está há dois anos, Gandhi: um líder servidor, com João Signorelli. O interessante é que, depois de treze anos de funcionamento do espaço cultural, ele começou a atender artistas de outras cidades do Brasil e de fora do país. Já se apresentou aqui gente de Belo Horizonte, do Rio de Janeiro, da Bahia. Realmente, a cidade adotou esse espaço cultural e ele já faz parte de sua vida.


Por que São Paulo? Nunca pensou em criar o Espaço em outro lugar?

Alberico Rodrigues: Eu pensei. Morei um tempo em Nova York e, quando voltei ao Brasil, não queria morar em São Paulo. É um desgaste muito grande. Qual a primeira cidade que me veio à cabeça? Rio de Janeiro. Fui para o Rio e fiquei lá quatro anos sem conseguir fundar esse centro cultural. Um dia eu estava bem inquieto, fui dormir e tive um sonho que não me deixou ficar na cama. Aí eu peguei a minha sacola, fui para a rodoviária e vim para São Paulo. Cheguei aqui e encontrei uma casa com a placa de “vende-se”. Resultado: comprei a casa. Meu umbigo parece que foi jogado aqui nessa terra. Foi aqui que eu tinha que fazer meu projeto.


Sobre a criação do Espaço: foram muitas as dificuldades para conseguir se estabelecer?

Alberico Rodrigues: Muitas. O Brasil ainda não está incentivando adequadamente as iniciativas culturais. Por exemplo: eu pago muito imposto. Nunca tive incentivo. Você vai até a prefeitura tentar apoio e não encontra. Mas o governo vem melhorando. Essa lei de incentivo à cultura [Lei Rouanet] é uma iniciativa, só que ainda precisa ser aprimorada.

E de onde surgiu esse interesse pela literatura?

Alberico Rodrigues: Eu nasci numa fazenda no sul do estado da Bahia, na Zona da Mata. Nesse lugar não tinha estudo. E parece que eu nasci predeterminado a gostar de ler, de escrever. Ainda era analfabeto, mas quando minha mãe levava os filhos à praia em Ilhéus, no final de semana, pegava um pedacinho de pau e marcava a areia como se fosse uma página. E ficava tentando escrever versos para minha mãe. Coisas de filho para mãe. Foi ali que nasceu, talvez, uma predestinação. Existe todo um itinerário que eu conduzi: o interesse pelos livros; a minha vida de escritor, que hoje está dando certo. Na realidade, eu gosto de escrever sobre fatos reais. Acho que eu mesmo escrevo a minha saga.



* Alunos de Estudos Literários do IEL / Unicamp

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