Microestética
O ponto de maior destaque de Dois Irmãos é o narrador
* Aluno de Estudos Literários do IEL / Unicamp
Gianne Ribeiro Pereira*
A escrita simples e direta de Lima Barreto se contrapõe à linguagem floreada e supérflua de sua época, em que muitos autores escreviam para agradar aos ouvidos da burguesia. Essa mudança na escrita antecipava o movimento modernista, mostrando o caráter avançado do escritor. O mulato carioca, através dessa transformação de forma e conteúdo, atingiu seu objetivo: seus contos atraentes mantêm-se vivos até os dias de hoje, revelando a decadência moral da recém-proclamada República. Neles, narrativas de acontecimentos usuais, tratados de modo aparentemente ingênuo, trazem um tom de crônica, em que o autor usa e abusa da ironia e sátira para denunciar o governo brasileiro.
No conto “O Homem que sabia Javanês”, a narrativa se inicia em um cenário típico da burguesia da Belle Époque: dois amigos se encontram numa confeitaria para travar um longo diálogo sobre suas atuais ocupações e peripécias da vida. Castelo, o protagonista, é construído por Lima como um exemplo do malandro brasileiro. O personagem conquista empregos sem ter o conhecimento necessário e usa de sua esperteza em situações oportunas para se beneficiar. Ao fingir saber javanês, língua falada na ilha de Java, Castelo consegue o emprego anunciado para ensinar essa língua. Tomando nota de apenas algumas palavras em uma enciclopédia, ele faz toda a cidade acreditar em seu inusitado conhecimento. Com isso, é futuramente nomeado cônsul, escreve artigos sobre Java por todo o Brasil e ainda representa o país em um congresso europeu. O conhecido tema da dialética da malandragem, presente em Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antonio de Almeida, também pode ser identificado em “O Homem que sabia Javanês”. De fato, tanto Castelo como Leonardo conseguem aproveitar situações propícias e com sua sagacidade e doçura conquistam a confiança das pessoas. O personagem de Lima é nomeado cônsul; o de Manuel Antonio de Almeida, sargento, provando que no Brasil a astúcia pode ser tão útil quanto a instrução.
Não se pode, porém, afirmar que a conquista de um bom emprego dependa somente da malandragem. Há também a colaboração do fator “QI”, o famoso “quem-indica”, outro alvo de denúncias de Lima. A falta de ética profissional de muitos brasileiros é representada no conto pela solicitação da entrada de Castelo na diplomacia por parte de seu aluno, um senhor conhecido e renomado. A crítica se estende aos dias atuais, reafirmando o caráter de “homem à frente de seu tempo” do autor. Pois, como se sabe, muitos brasileiros sofrem exclusão social na tentativa de alcançar um emprego: é difícil alguém desconhecido ser aprovado quando amigos e parentes do contratante concorrem à mesma vaga.
Em “O homem que sabia javanês”, o escritor parte do núcleo do poder para apontar sua injusta distribuição: quem o possui usa-o a seu favor; e muitos desprovidos dele tratam logo de travar uma amizade interesseira com alguém em posição privilegiada. Lima faz ainda uma crítica contundente à futilidade da burguesia. Afinal, Castelo se torna um homem “famoso” pelo simples fato de conhecer uma língua excêntrica. Ao admirá-lo, a burguesia se revela absolutamente ignorante, pois aprecia alguém sem nem mesmo perceber sua falta de conhecimento. Um mero discurso bonito basta para conquistá-los.
O escritor Alberico Rodrigues/Foto de Ana Laura Ferraz |
“Eu não sabia nada de mim, como vim ao mundo, de onde tinha vindo. A origem: as origens. Meu passado, de alguma forma palpitando na vida de meus antepassados, nada disso eu sabia. Minha infância, sem nenhum sinal de origem. É como esquecer uma criança dentro de um barco num rio deserto, até que uma das margens a acolhe. Anos depois, desconfiei: um dos gêmeos era meu pai.”
O trecho acima pertence ao livro Dois Irmãos, de Milton Hatoum. Sua estória (com “e” mesmo, como
Um forte diálogo com a base da cultura judaico-cristã é expresso em inúmeras referências bíblicas, evocando o inconsciente ocidental (e, por que não, o oriental, levando em conta países como o próprio Líbano). Mesmo quem nunca parou para ler a Bíblia, provavelmente tem internalizadas as histórias de Esaú e Jacó, Caim e Abel, ou o Cântico dos Cânticos. Estas são referências tão tradicionais que se podem considerar universais, principalmente porque retratam uma infinidade de experiências comuns ao ser humano, como o ciúme, a inveja e a paixão. Ainda no campo das alusões, não se pode esquecer o imaginário da contação de histórias. A configuração do relato faz referência tanto ao caboclo contador de causos, quanto às famosas histórias árabes consagradas pelas Mil e Uma Noites. Dos textos sagrados monoteístas aos mitos fundadores indígenas, encontra-se nos intertextos de Dois Irmãos uma espécie de elogio à memória. Sua narrativa não linear e as inúmeras camadas e pontos de vista prendem o leitor em uma espécie de labirinto em busca das origens, da verdade, do desvelamento, da alétheia (antônimo de esquecimento).
Quem nos conduz por essa casa de Asterion é Nael, narrador cujo nome só aparece uma vez e que vai surgindo timidamente ao longo do relato. Por sua condição de bastardo, transita entre o ser e o não ser. Assim, nas histórias que ouve e reconta, faz a ponte entre o dentro e o fora ou entre a naturalidade e a estranheza. Tal posição nos ajuda a desnaturalizar certas convenções sociais ou familiares que, como em Machado de Assis, são muitas vezes tão cruéis quanto a escravidão. Assim, por meio desse narrador, o maniqueísmo é evitado, mas as denúncias são feitas. Mostra-se um Brasil injusto e perversamente afetuoso, uma pequena amostra de como os valores familiares e sua estranha estrutura encobre, com tradições e afetos, realidades tão duras quanto a guerra ou a ditadura (como o semiescravismo, o incesto e a loucura) e, por isso, com maior emergência de serem expostas e discutidas em um país que se diz tolerante e pacífico. Em meio à truculência no Estado, à decadência da cidade, à morte e à desgraça das personagens, o que sobra é o relato, a memória e a possibilidade de reflexão. O que resta é o verbo.
* Caroline Beatriz Mott Silva
Toda sala de aula tem um aluno meio deslocado, que senta na primeira fileira e tira as maiores notas. Mas sabia que ele também pode ser um piadista? Essa é a aposta do livro Piadas Nerds – O melhor aluno da classe também sabe contar piada (Editora Verus), dos amigos e estudantes da Unicamp Ivan Baroni, Luiz Fernando Giolo e Paulo Pourrat.
O livro reúne mais de cem piadas organizadas em oito grandes temas, como matemática, ciências humanas, séries de televisão e cultura nerd. Todas foram compiladas do twitter do trio (@PiadasNerds). Criado em 2009, o perfil surgiu do desejo dos rapazes de reunir e divulgar essas piadas que divertem os seguidores da cultura nerd. Hoje, ele já conta com mais de cem mil seguidores. “Achamos algumas piadas na internet, mas a grande parte delas foi enviada pelos nossos seguidores do twitter”, diz Luiz Fernando Giolo.
O livro se destaca não somente pelas piadas, mas por representar algo que tem ganhado cada vez mais destaque: a cultura nerd. “A estrela do nerd tem brilhado cada vez mais. Somos os indivíduos mais adaptados à era da informação. (...) Como diz o slogan da série The Big Bang Theory, ‘Smart is the new sexy’ [Inteligente é o novo sexy]”, escreve Ivan Baroni na introdução da obra. Diferentemente dos nerds das décadas passadas, os de hoje têm orgulho do que são: “não é muito difícil, quem sabe até nem necessário, muito esforço para dar uma injeção de autoestima nos pequenos ‘CDFs’ espalhados pelas salas de aula desse mundão”, contam os três autores, em entrevista concedida por e-mail.
Como surgiu a ideia de publicar um livro com piadas nerds?
Já havíamos acumulado muitas piadas durante esse um ano e meio de existência do perfil @PiadasNerds. Tínhamos também várias ideias que só funcionariam em textos mais longos. Então, ficamos entre fazer um site ou um livro. Como ter um site é “abrir a caixa de Pandora”, decidimos fazer o livro, que é muito mais impactante.
Foi difícil encontrar uma editora?
O que ajudou o livro ser aceito?
A tendência hoje do ensino educacional é se tornar cada vez mais humorístico, com canções, piadas e mnemônicas para prender a atenção do aluno e fazer com que ele guarde determinados assuntos. Essa é basicamente a nossa proposta, misturar o humor com a ciência. Todas as nossas piadas têm algum fundo científico correto, algumas mais, outras são apenas trocadilhos. Recebemos vários comentários de professores que usaram algumas de nossas piadas para ajudar os alunos a se lembrarem do assunto, ou cujos alunos se lembraram de nossas piadas na hora de uma prova e isso os ajudou. Ou seja, nosso livro é de humor inocente e cientificamente correto, aceito em todas as idades e comunidades.
Para vocês, o que é ser nerd?
Definitivamente não. Os de antigamente foram representados em vários filmes dos anos 90 como aquele nerd “babão” que usava gravata borboleta e se submetia ao bullying. Hoje essa tribo está diferente e em um número maior. Diferentemente do passado, os nerds de hoje têm orgulho de pertencer a essa tribo.
Acreditamos que sim. É possível enxergar algumas estruturas básicas mudando. Hoje não é muito difícil, quem sabe até nem necessário, muito esforço para dar uma injeção de autoestima nos pequenos “CDFs” espalhados pelas salas de aula desse mundão. Eles se sentem inseridos num grupo e já não tentam mudar seu jeito de ser em busca de aceitação.
Quais são os principais símbolos nerds?
Existem muitos. Há os clássicos, como a famosa saudação “vida longa e próspera” dita por Spock [de Jornada nas Estrelas], o número 42, que é a resposta da pergunta fundamental sobre a vida, o Universo e tudo mais, do livroGuia do Mochileiro das Galáxias, o Darth Vader [de Guerra nas Estrelas], e outros.
O próprio lançamento foi memorável! Também foi engraçado quando fomos à primeira reunião com a editora da Verus, para conversar sobre o livro. Levamos todo um material com gráficos e tabelas para apresentar melhor a nossa proposta. Ela disse que nunca na história da editora alguém levou gráficos para publicar um livro.
Estamos pensando em lançar sim uma continuação do livro, pois nosso acervo de piadas continua crescendo e temos boas ideias para incrementar.
Ivan Baroni: Por que h(x) não tem segunda derivada? R: Porque h' tem bico.
Luiz Fernando Giolo: Três pontinhos não colineares estavam conspirando: "Acho que temos um plano!"
Paulo Pourrat: Está preocupado com o planeta e se pergunta como poderemos salvá-lo? Levante suas mãos e ajude Goku a fazer a Genki Dama!